Introdução
Considerando-se
apenas o senso comum, iniciaremos nossas considerações alegando que na prática
o poder público limitou-se a prender, espantar ou esconder o usuário de drogas das
camadas sociais menos favorecidas, a fazer demonstrações pirotécnicas de pseudo
ações que estrategicamente escondem e maquiam o problema da droga. Destarte, fantasiam
o usuário de drogas lícitas ou ilícitas em complexas peças de quebra–cabeças, sendo
todas propositadamente descartáveis. Percebe-se que, claramente, com seus
tentáculos espalhados em todos os ramos da sociedade, os cartéis e organizações
criminosas, com suas ligações complexas se entranham em seus diversos
seguimentos. Conseguem copitar todo tipo de pessoas, do cidadão comum aos mais
altos escalões de autoridades. Seu malefício e domínio levam as marcas do
controle exercido pela força e crueldade. Temos estas situações, quase sempre, alimentadas
pela omissão e corrupção dos gabinetes governamentais, pelo preconceito que
permite que seu tentáculo mais violento se expresse mais cruelmente nos bolsões
de miséria e pobreza. Tal situação que explora e mata, mais notadamente, o
pobre e favelado nos conduzem a situações vexatórias e vergonhosas, para não
dizer imorais e ofensivas aos direitos humanos.
AS DROGAS E A POLÍTICA DO
FAZ-DE-CONTA
A corrupção e
indolência que tangenciam a hipocrisia da alta sociedade albergam nos seus principais
atores: empresários, políticos, autoridades civis, militares e judiciais, seu
maior expoente de tolerância e impunidade. Sem olvidar os maus policiais,
tantas vezes omissos e coniventes com a degradação alheia. Na verdade, os
policiais são mantidos propositadamente, pelas autoridades, a margem do real
processo de solução do tráfico e consumo das drogas, pois tratam estritamente
como problema policial uma situação que tem raízes na injustiça social e falta
de políticas de inclusão social. O isolamento e descontinuidade dos programas e
políticas de enfrentamento ao problema das drogas, crack, maconha, tabagismo, álcool
e outras drogas mostram de um lado a incompetência de nossos governos e do
outro lado o viés político eleitoreiro que permeia ações periódicas e
midiáticas.
A deficiência
de alguns operadores de segurança (policiais federais, civis, penitenciários,
militares e guardas municipais) que continuam à margem dos processos de prevenção,
tratamento, cura e reinserção social, são subliminarmente doutrinados pelo
Estado a promover a assepsia social dos usuários de drogas. A ignorância da
população e da polícia gera preconceito e despreparo para tratar de forma qualificada
e diferenciada o usuário do traficante de drogas. Não basta segregar, é preciso
tratar o problema na base social. Não se pode tratar como problema de polícia
uma questão social com tantas implicações e nuances. Questões que passam pela
desestruturação familiar, crise de autoridade dos pais para com os filhos, a
perca do referencial religioso, falta de consciência ética e moral, impunidade,
de crimes não solucionados pela desestruturação e falta de efetivo das
polícias, justiça deficiente e lenta, ministério público pouco atuante e muitas
vezes omisso, educação deficiente e ineficaz, um sistema de saúde e assistência
social agonizante, desrespeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente, do
Idoso, preconceito racial, tratamento injusto e desequilibrado com as mulheres.
Enfim, uma gama de deficiências estruturais que desembocam nas drogas,
assassinatos e penitenciárias, não necessariamente nesta ordem.
Os policiais
neste processo são, também, vítimas de um sistema propositadamente orquestrado que
limita-se a ações de fachada, que acabam tratando-os como marionetes no jogo de
prende e solta. Assim temos os usuários de drogas, os traficantes-aviões, os
pequenos traficantes, sitiantes e a polícia na ponta do iceberg, enquanto os
barões do tráfico se locupletam no jogo milionário das drogas e do tráfego de
influências dentro e fora de nosso país.
Sim,
considerando, ainda, o senso comum nos angustia a dura realidade de uma
sociedade que veladamente elegeu cidadãos de diversas castas, conforme a
conveniência dos que estão nas diversas instâncias do poder: ao contrário do
que ocorre abertamente na Índia, nosso país de forma cínica nos impõe cidadãos
de primeira linha (os
brahmin) e aqueles tratados como escória da sociedade (os párias). Estes
últimos perfeitamente descartáveis, e fazendo uso de neologismos todos perfeitamente
“matáveis e morríveis”.
CONCLUSÃO
Um barato que sai caro
Ao
estudar e refletir acerca das políticas públicas aplicadas ao combate e
prevenção às drogas não nos ocorre desconsiderar eventos relevantes de combate
às drogas, criminalidade e políticas de inclusão social da história mundial
contemporânea, modelos que muito bem podem e devem servir de balizadores ao
nosso país. Temos como exemplos: a Itália com o enfrentamento metódico da máfia
a “Cosa Nostra”; a Colômbia trabalhando seriamente nas políticas sociais de
inclusão das camadas mais pobres e combate ao Cartel de Medellín; a política de
tolerância zero com a ação imediata de punição judicial implantada em Nova York
por volta da década de 1990 pelo então prefeito Rudolph W. Giuliani.
São
lições riquíssimas que devem ser conhecidas, exploradas, equalizadas e
aplicadas com seriedade à realidade brasileira, posto que muitas das mazelas
que formaram aquelas deformações sociais se replicam em nosso país em escalas
maiores, marcadas pela falta de políticas sérias, ou pela descontinuidade dos
programas de enfrentamento às drogas, criminalidade e inclusão social
equacionada e justa. Nosso país nunca será um país sério e comprometido com as
futuras gerações enquanto nossas autoridades não assumirem sua responsabilidade
com cada cidadão, enquanto não projetarem o futuro com base nos valores tirados
dos princípios universais dos direitos do homem, enquanto nossos políticos
continuarem a ser profissionais ao invés de representantes e defensores do povo,
e da justiça que nasce na aldeia indígena, passe pelas comunidades quilombolas,
chequem as nossas favelas e levem nossas crianças em igualdade de condições às
universidades, fazendo assim com que nossas prisões deixem de ser o símbolo de
todas as nossas privações e injustiças, pois nelas se concentram a nata dos
desvalidos e rechaçados de nosso país.
Assistente Social na PB
e
Nivaldo de Oliveira Júnior
Agente Penitenciário de PE
Presidente do SINDASP-PE
Sociólogo